Quando o Avião era Aeroplano e a casa era Chalé

O Chalé Brícola e o primeiro voo na America do Sul.

Plantado entre árvores, o Chalé Brícola, onde hoje está instalado o museu “Dimitri Sensaud de Lavaud”, nos remete a um passado que o glorifica.

É um casarão antigo, construído por Giovanni Brícola em 1890, muito luxuoso para a época. A memória do primeiro proprietário está presente nas portas de entrada e nas janelas que dão para o fundo do casarão com as iniciais do seu nome em metal. Giovanni Brícola residia em São Paulo e o utilizava como casa de campo.

Na época de sua inauguração era cercado de árvores frutíferas entre elas muitas pereiras; Árvores que perduraram até o início dos anos sessenta. Antigos moradores o descrevem como uma construção muito bonita, pintada em vermelho Veneza, com portas em pinho de Riga e uma belíssima pia de porcelana pintada à mão e a frente cercada com grades de ferro. Tanto as grades assim como algumas daquelas portas originais foram roubadas.

A família Sensaud de Lavaud foi a segunda a residir ali. Algumas pessoas que conheceram o chalé naquela época, bem antes dos danos que sofreu, falam da beleza que era ver os jovens filhos do barão cavalgando nas terras que o rodeavam e que hoje se resume a uma pequena área em torno do museu.

Durante alguns anos ele ficou abandonado, à mercê de vândalos que o invadiram e destruíram grande parte do que nele havia. Moradores de rua ali se reuniam e, nas noites frias acendiam fogueiras no assoalho para se aquecerem. Com isso, destruíram grande parte do piso original. Algumas cenas de um dos filmes do cineasta Zé do Caixão foram realizadas ali.

Em 2006 iniciou-se o processo de restauração do chalé, com um curso de restauração para jovens e adolescentes. Hoje restaurado o casarão adquiriu uma aparência próxima da que tinha quando Dimitri ali viveu.

Aviõezinhos de antanho-JOSÉ DE SOUZA MARTINS – O Estado de S.Paulo

Nos começos da aviação, foi nos amplos terrenos baldios de São Paulo que se improvisaram campos de decolagem e pouso. Voar parecia fácil. Mimados e abonados da Pauliceia voavam, correndo riscos. Avião se chamava aeroplano, pouco mais do que um brinquedo. Montava-se avião no fundo do quintal. Havia passado a era romântica dos poetas que morriam de tuberculose, um triste verso final coroando métricas e rimas. O romantismo, agora, ia para os ares. Para os poetas do firmamento, morrer era parte da aventura da vida; a busca da morte era um passatempo. Eles teatralizavam os riscos, despertavam a admiração das mocinhas e a inveja dos marmanjos. Em pouco tempo, havia aviõezinhos nos parques de diversões, quase do mesmo tamanho das latas voadoras.

Era desse tipo o aeroplano utilizado pelo tenente Eduardo Gomes, na Revolução de 1924, para ir do Campo de Marte ao Rio de Janeiro jogar panfletos sobre a cidade, contra o governo, e uma bomba sobre o Palácio do Catete. O aparelho caiu num brejo em Cunha por falta d’água no radiador!

Um desses aviõezinhos caiu na Estrada da Boiada, hoje Avenida São Guálter, em Pinheiros. O piloto se salvou. Por aquela época, aeroplanos voavam por perto de onde é hoje a Cidade Universitária. Pousavam numa pista onde seria depois a raia olímpica e a Marginal. O Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) fazia pesquisas sobre madeiras brasileiras para fabricação de hélices. Ali começou a nascer o Paulistinha, célebre aeroplano de treinamento, que acabaria fabricado em Utinga, na Laminação Nacional de Metais, de Baby Pignatari. Nos anos 1940, ainda era comum ouvir seu zumbido de mamangava, nos domingos, sobrevoando romanticamente o subúrbio e os arrabaldes.

Pousos e decolagens de jovens pilotos, na segunda década do século 20, eram realizados ou no Parque Antártica ou no Hipódromo da Mooca para audiências nervosas, com direito a gritinhos e aplausos. Foi um desses jovens, o francês Dimitri Sensaud de Lavaud, que fez em Osasco, no dia 7 de janeiro de 1910, o primeiro voo de um aparelho mais pesado que o ar na América do Sul. Lavaud e a família moravam no chalé que fora do banqueiro Giovanni Bricola, hoje museu. Ali tinha o pai uma fábrica de manilhas, em cuja oficina mecânica Lavaud ia montando seu aeroplano. Fez uma rampa de madeira no campo que ia do chalé na direção da estação de Osasco, onde fez naquele dia um voo de 103 metros, oscilando entre uma altura de 2 e 4 metros, até cair e quebrar a hélice.

Por uma foto se vê que era uma gaiola de arame com um motor. E voava!

Além de aviador, Dimitri foi um inventor prolífico e um personagem importante do Século XX. Com mais de mil patentes registradas, ele revolucionou a indústria mundial de tubos metálicos e trouxe inovações a outras indústrias, como a automobilística e a própria indústria da aviação. Em 1927, em Paris, ele fabricou o Sensaud de Lavaud, um carro com câmbio automático, invenção que só iria se popularizar nos automóveis em fins do Século XX.

Preso pela Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial, Dimitri foi acusado de colaborar com o regime de Adolf Hitler. Mesmo após ser inocentado, nunca recuperou a alegria de viver. Deprimido e empobrecido, Dimitri morreu em 1947.

A Santos Dumont, o tempo deu glórias, afinal Paris era Paris.

A Lavaud, só coube o esquecimento..

Fontes:-Jornal O Estado de São Paulo 19/02/1911; O Primeiro Vôo da América do Sul 1969-1970 – Helena Pignatari Werner” Tese de Mestrado; Revista Realidade – Editora Abril – Dez. 1973 – Robert Sensaud de Lavaud e Lourenço Pelegatti, – Entrevistas concedidas à Risomar Fasanaro, José Pessoa e Rômulo Fasanaro; Correspondência familiar: Acervo Robert Sensaud de Lavaud Edison Veiga/O Estado de S.Paulo – Foto: Museu Sensaud de Lavaud

 

Esse post foi publicado em Historias da Aviação. Bookmark o link permanente.

Deixe um comentário